Cantares de Amor, Suspiros e Cuydados
Conjunto Música Antiga da UFF
centrodeartes.uff.br
Discos Niterói NDEG-24
1992
Lado A
1. Aquella voluntad q̃ se á rendido [1:52]
2. Cuydados meus taõ cuidados [1:50]
3. Obriga vossa lĩdeza [1:46]
4. Que he o q̃ vejo [2:14]
Lado B
1. Porq̃ me naõ ves Ioãna [2:16]
2. Pues quexar sé [2:04]
instrumental
3. Venid a sospirar al verde prado [1:40]
4. A la villa voy [2:19]
CONJUNTO MÚSICA ANTIGA DA UFF
Brigitte Grundig
Kristina Augustin
Leandro Mendes
Lenora Pinto Mendes
Márcio Paes Salles
Mário Orlando
ARTISTAS CONVIDADOS
Alain Pierre (alaude)
Alfredo Baltz (percussão)
Marcelo Brandão (tenor)
INSTRUMENTOS UTILIZADOS
Alaude: Reinbol Seiffert (Alemanha)
Flautas doce soprano, contralto: Steven Silverstein (EUA)
Flauta doce baixo: Cousen & Hanson (Inglaterra)
Krumhorn soprano: Günter Köber (Alemanha)
Krumhorn contralto e tenor: Moeck (Alemanha)
Viola da Gamba tenor: Jorge & Joffer (Brasil)
Viola e Gamba baixo: Donald Warnock (ELA)
FICHA TÉCNICA
Produção Executiva: Geraldo Brandão e Ezio Filho
Produção Musical: Mário Orlando e Geraldo Brandão
Assistente de Produção: Tito Galvão
Gravação: Beto Pimentel e Penynba Suzano
Mixagem: Beto Pimentel e Geraldo Brandão
Assistente de Estúdio: Betb Baldi
Produção Gráfica: Cassiana B. Rangel
Desing Gráfico (capa): Márcia Brandão e Ana Paula Guerreiro
Desing Gráfico (encarte): Cassiana B. Rangel
Foto: Marcelo Rios Queiroz
Fotolitos: A tricromia
Composição: Muiraquitã
SELO FONOGRÀFICO — NITERÓI DISCOS - NDEG-24
Realização: PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI • Governo: JORGE ROBERTO SILVEIRA
FUNIARTE — Fundação Niteroiense de Arte • Presidente: LUIZ ANTONIO DE FARIAS MELLO
Diretor Executivo: Ivan Macedo Viana • Diretor Artistico: Chico Aguiar
Gravado e Mixado no Estúdio Soundtrack (021) 493-4588
Pré-Masterização e Edição: EG PRODUÇÕES (021) 719-4249
Sobre o Cancioneiro Poético e Musical da Biblioteca Pública Hortência”
Maria do Amparo Tavares Maleval
(Profa. Adja. Dra. da UFF)
O excelente Conjunto de Música Antiga da Uff, através de
louvável iniciativa da FUNIARTE, vem no presente tornar
acessível ao grande público a função de
pequenas jóias musicais que animavam os serões palacianos
ao tempo das grandes Descobertas ultramarinas em Portugal. Nada,
portanto, mais oportuno, neste ano de 1992 em que tantas
reflexões e comemorações cercam os 500 anos da
conquista da América.
As músicas selecionadas pertencem a um raríssimo
“Cancioneirinho de mão”, encontrado na Biblioteca Pública
Hortência, em Elvas, Portugal, pelo musicólogo Joaquim
Manuel, e por ele publicado em Coimbra, em 1940. A
encadernação, evidentemente que posterior à sua
elaboração, como observara o pesquisador, dava a obra
como pertença de um enigmático J. J. d'A., ao que tudo
indica iniciais de João Joaquim de Andrade, retratado em quadro
também pertencente à brasileiros. O mais curioso —
e importante para nós, brasileiros — é que muito
possivelmente o precioso Cancioneiro fora adquirido no Brasil, quem
sabe para cá trazido peia Corte Real portuguesa em 1808,
uma vez que o eclesiástico seu possuidor vivera por algum tempo
no Rio de Janeiro, segundo legenda que o seu retrato apresenta.
Quais as marcas que levam a reconhecer como dos séculos XV e XVI
as composições do dito Cancioneiro? Joaquim Manuel
observa que uma das fortes evidências seria a similaridade de
certos desenhos que o papel utilizado apresenta em
relação a papéis fabricados no século XVI,
remontando os mais semelhantes á Salzburgo de 1525. Outra, seria
a recolha, na coletânea, de música de Juan del Encina
— tal seja, a composição “Romerico, tu que
vienes”. E, ainda, a analogia das letras com poemas do Cancioneiro
Geral de Garcia de Resende, publicado em 1516, constituindo uma
recolha da produção poética dos reinados de
Afonso V, D. João II e D. Manuel. Tal analogia se encontra tanto
na forma quanto na temática dos textos, e na marcante
influência da língua e da cultura castelhana que neles se
percebe, de resto uma tônica da época, por
implicações políticas relacionadas com o desejo
dos soberanos de unirem as coroas luso-espanholas, através de
guerras e casamentos.
Quanto à forma, a tendência dominante é para os
versos curtos, de arte menor, também chamados redondilhos, sendo
reduzidíssima a ocorrência dos versos mais longos, de arte
maior. Abandonando a tradição paralelística
trovadoresca, e pautando-se pela mentalidade glosadora então
dominante no clero e na Universidade, bem como no folclore espanhol,
elegeram os poetas/letristas de ambos os citados Cancioneiros por
estrutura mais usual dos seus poemas a glosa, volta ou desenvolvimento
de um mote. Daí que as formas estróficas mais utilizadas
sejam as do vilancete, da cantiga e suas variações. Ao
lado dessas, os romances (narrativos) e as esparsas
(monostróficas e com versos mais longos), são as outras
formas cultivadas. E das características retóricas, salta
aos olhos o virtuosismo dos jogos verbais.
Quanto à temática, a recorrência comum é a
do cuidar (isto é, sofrer em segredo a dor da paixão), do
suspirar (extravasando-a), do morrer de amor (na esteira das cantigas
de amor galego-portuguesas e provençais), e dos olhos como
fontes ou repositórios do sentimento amoroso.
As composições selecionadas pelo Conjunto de
Música Antiga são uma amostra dessa temática
hegemônica na lírica amorosa da época. No vilancete
“Cuydados meus taõs” cuidados estabelece-se uma reflexão,
através de jogos verbais, sobre os cuidados que levam o
poeta-amador ao descuido de si. No vilancete “Porq̃ me naõ ves
Ioãna” enfatiza-se o desejo pela mulher, que aumenta com a sua
distância do olhar. Na cantiga “Que he o q̃ vejo”, o mote joga com
os sentidos de ver/perceber e de ver (a senhora) “morrer d'amor e
desejo”; e as glosas afirmam que se a sua esquivança provoca
sofrimento, não vê-la provocaria a morte. Em “Obriga vossa
lĩdeza” reitera-se o conteúdo anterior: “uiuo moura damores”. Na
esparsa em arte-maior “Aquella voluntad q se à rendido”
representa-se o poder encantatório dos “ojos” que subjugam com
seu “puro resplãdor”. E na composição de mesma
forma, “Venid a sospirar al verde prado”, repete-se a temática
do morrer de amor, já numa atmosfera evocativa do “locus
amoenus” clássico, seus verdes prados e pastores.
Enquanto o amor era cantado desta forma na amenidade dos serões
palacianos, as árduas e mesmo violentas conquistas
marítimas se efetuavam, para mais tarde serem genialmente
louvadas por Camões ou satirizadas por Fernão Mendes
Pinto. Mas vale o testemunho de que as cousas do espírito nunca
deixaram de preocupar o homem ibérico. E como Manuel Joaquim, no
Prólogo da sua edição do Cancioneiro
Poético e Musical da Biblioteca Pública Hortência,
só podemos desejar, com aplausos, em relação
às peças musicais por ele descobertas, “que os nossos
artistas tomem a peito dar-lhes vida com seu talento".