Cânticos de Amor e Louvor  /  Música Antiga da UFF








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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ARTES UFF
NM 93297

2001









Cantigas de Amigo de Martin Codax

1. Eno sagrado, en Vigo  [1:38]  ca  VI
2. Mia ermana fremosa  [1:45]  ca  III
3. Quantas sabedes amar  [1:15]  ca  V
4. Ay ondas, que eu vin veer  [3:29]  ca  VII
5. Ondas do mar de Vigo  [3:26]  ca  I
6. Ay Deus, se sab' ora  [3:10]  ca  IV
7. Mandad' ey comigo  [1:30]  ca  II



Cantigas de Santa Maria de Alfonso X

8. Prologo  [5:52]  Prologo
9. Des oge mais  [5:09]  CSM  1
10. Rosa das rosas  [3:58]  CSM  10
11. Virga de Jesse  [5:59]  CSM  20
12. Santa Maria strella do dia  [2:32]  CSM  100
13. Entre Av' e Eva  [1:52]  CSM  60




Música Antiga da UFF

Leandro Mendes (tenor, flautas doces, 11)
Lenora Pinto Mendes (vieles de arco e de roda)
Marcio Paes Selles (barítono, 8 e 13)
Peri Santoro (barítono e flautas doces, 10)
Virgínia van der Linden (saltério e flauta transversa)

músicos convidados
Karla Bach de Andrade (percussão)
Leonardo Loredo (oud e buzuk)
Sônia Leal Wegenast (soprano, 1 a 7, 9 e 12)

participação especial
Luanda Siqueira (soprano)
Sérvio Túlio (barítono)

vozes infantis
Alice Alfinito Felippe, Alice Mendes Selles, Joana Helena Diniz
Julia Mendes Selles, Laura Mendes Selles, Lídia Diniz
Renata Novaes Alvarenga, Taís Bernabé


Gravação realizada na Igrejinha de São Francisco Xavier (construção de 1662)
nos dias 5, 6 e 7 de agosto de 1996.

gravação e mixagem M.J. Chevitarese
masterização E&G Stúdio
agradecimentos Humberto Medeiros, Padre Lemos, Haymo Blink
projeto gráfico Roberto Fanára
fotos Humberto Medeiros













CÂNTICOS DE AMOR E LOUVOR


Este CD é uma iniciativa do Núcleo de Estudos Galegos da UFF (NUEG), que tem suas atividades de divulgação da cultura galaica patrocinadas pelo governo da Comunidade Autônoma de Galiza, na Espanha.

Reunindo cantigas medievais galego-portuguesas, relaciona-se com a pesquisa que desenvolvemos atualmente, no NUEG-UFF e no PROEG-UERJ, sobre O Trovadorismo galego-português e o Neotrovadorismo galego e luso-brasileiro. Através de ambos, pensamos contribuir para a valorização das nossas raízes culturais galego-portuguesas, em suas vertentes lingüístico-literária e musical. O que tem sido feito, já há alguns anos, também pelo Conjunto de Música Antiga da UFF: fundado em 1981, dedica-se à difusão da música do Ocidente Medieval e Renascentista, através de concertos realizados em diversas localidades do Brasil, de programas radio-televisivos e de gravações de video-clips e discos - um LP de 1992, com composições dos séculos XV e XVI, registradas no Cancioneiro Poético e Musical da Biblioteca Públia Hortênsia, e um CD de 1995, com Poesias cantadas de Lope de Vega, de final do século XVI a inícios do XVII.

Recuando para o século XIII, esse meritório grupo de artistas revive agora o esplendor do nosso trovadorismo ancestral, através de cantigas de amigo atribuídas a Martin Codax - jogral ou segrel provavelmente galego, ativo nos meados ou no terceiro quartel do citado século -, e de cantigas de louvor a Santa Maria de Afonso X - rei castelhano de 1252 a 1284, não apenas fecundo trovador, mas mecenas de uma brilhante corte de sábios, intelectuais e artistas diversos, na qual elaborou, ou dirigiu a elaboração de obras trovadorescas, historiográficas, jurídicas, e traduções e adaptações de obras científicas arábicas.

As cantigas de Martin Codax são das raras de caráter profano da época cujas notações musicais permaneceram, praticamente intactas, no chamado Pergaminho Vindel, descoberto em 1914 - à exceção de uma delas, Eno sagrado, en Vigo, na qual um narrador apresenta o bailado de uma virgem numa festa religiosa . Nas seis restantes, vemos delinear-se a história de um namoro, através da voz da sua protagonista, que, ora se dirige às ondas do mar (Ai ondas, que eu vin veer, Ondas do mar de Vigo), ou a Deus (Ai Deus, se sab'ora), expressando o seu anseio pela falta de notícias do amigo (namorado), ora à mãe (Mandad'ei comigo), à irmã (Mia irmana fremosa) ou às amigas (Quantas sabedes amar), falando dos seus planos para o reencontro. Tal amor se concretiza carnalmente, segundo os indícios de alguns versos, sobretudo de refrãos, ou das sugestões imagéticas da poesia - do banho de amor nas ondas simbolizadoras da libido despertada à sagração do corpo no bailado, ao redor de um templo cristão, num claro sincretismo com ritos pré-cristãos sacralizadores da sexualidade, propiciadora da vida e, portanto, da continuidade do grupo, constantemente ameaçado por pestes, fomes e guerras. E ainda, evidenciam o hibridismo das formas artísticas embrionárias da época, onde a poesia lírica se une à narrativa e a recursos mais próprios da arte dramática, como o discurso direto, associando-se também à música, ao canto e à dança.

Quanto às cantigas de Santa Maria, que em seus mais de 400 espécimes documentados se dividem em canções de louvor e narrativas de milagres, também corroboram tal hibridismo. Além de constituírem um dos mais importantes testemunhos da música monofônica medieval, também o são da poesia e do canto religiosos, bem como da pintura, uma vez que os manuscritos são profusamente ilustrados por preciosas iluminuras, que não apenas se prestam à descrição de músicos, cantores e instrumentos da época, como à narrativa dos milagres, a modo das histórias em quadrinhos de hoje. As composições marianas que aparecem neste CD, seguindo a ordem em que aqui se apresentam, contém: a primeira delas, um Prólogo, que fala da Arte Poética a ser seguida para o trobar, e estabelece a matéria das cantigas - o louvor e os milagres -, promovendo a substituição do canto/culto à mulher das cantigas de amor pelo da Virgem - portanto, a canalização do amor profano para o divino; a segunda, Des oge mais quer eu trobar, faz o panegírico da Senhora honrada, bendita e sagrada, revivendo a sua história, desde a saudação pelo Anjo Gabriel, o nascimento de Jesus em Belém, a visitação/adoração dos Reis Magos, as novas de Madalena sobre a Ressurreição do Filho, até o alçamento de Maria aos Céus, onde advoga pelos fiéis; a terceira, Rosa das rosas, louva a beleza, alegria, piedade e caridade protetora da Virgem, digna de ser amada e superior à dame sans merci do amor cortês, desprezando o trovador, por ela, todos os outros amores; a quarta, Virga de Jesse, fala dos seus padecimentos pelos pecadores, enfatizando a sua função de intercessora junto ao Filho e às lutas contra o demo, como guarda e amparo dos humildes, concluindo-se pela profissão de fé do trovador; a quinta, Santa Maria, Strela do dia, reitera a sua função de guia para a luz e para Deus, mostrando-a como a companhia mais desejável para a alma em direção ao Paraíso; a sexta, Entre Av' e Eva, enfatiza a diferença radical entre Eva, a causa da perdição do homem, da sua expulsão do Paraíso, e Ave (Maria), a sua salvação, a sua recondução até ele.

Enfim, as cantigas selecionadas para formarem este CD mostram, na perspectiva textual/contextual, os poios em que se movia o homem da época no tocante à religiosidade, ao amor e ao feminino. De um lado, a naturalidade das jovens sequiosas de amor, que transformam a ermida em lugar de encontro - herança de cultos pré-cristãos dedicados à fecundidade. De outro, a canalização do amor terreno para o divino, promovido pela Igreja que coloca Maria no centro da devoção, embora a Bíblia seja tão parca de referências a ela, indiciando mais uma vez a força dos substratos culturais ainda então atuantes, nos quais se destacava o culto a poderosas divindades femininas.

Quanto à música, tanto no aspecto melódico quanto no rítmico aproximava-se do cantochão, o que se corrobora na notação. Ressalte-se, quanto ao aspecto da temporalidade, a matriz arcaica do estilo musical de Codax, aliás em consonância com o texto das suas cantigas, que, como temos frisado, é um repositório de comportamentos ancestrais, que se mantinham paralelamente e em interação com o Cristianismo.

A seguir, serão transcritas as letras das cantigas, na forma em que aparecem no CD. O Música Antiga da UFF buscou seguir prioritariamente os manuscritos, tanto nas notações musicais quanto na expressão verbal, reproduzindo inclusive, no caso do Pergaminho Vindel, os afastamentos do paralelismo típico das cantigas de amigo que nele se observa. Mas não obedeceu à ordem em que neles se apresentam as composições: utilizando por critério o caráter das melodias, agrupou-as de modo a agradar a um mais vasto público. Para a transcrição, tendo em vista causar menos ruídos na comunicação com os leitores brasileiros de hoje, optamos por uniformizar a ortografia, vacilante nos documentos, naqueles elementos não pertinentes do ponto de vista fonético-fonológico, buscando não desvirtuar significativamente a lingua nesta sua fase arcaica. Assim, nunca usamos y, mas i (vogal ou semi-vogal); não ll, mas lh; não nn, mas nh; não n antes de p e b; nem ç antes de e ou i; muito menos u com valor consonântico, mas j ou g e v respectivamente, etc.

Que saibam todos bem aproveitar este tesouro que ora lhes ofertamos.

Maria do Amparo Tavares Maleval



Bibliografia:

ANGLÉS, Higino. La música de las Cantigas de Santa Maria del Rey Alfonso el Savio. Publicação do Depart. de Música da Biblioteca da Catalunya (Barcelona),1943/1964.

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. "O po-ema musical de Codax como narrativa". In Estudos Galegos I. Niterói, EDUFF, 1996. p.17-26

CUNHA, Celso Ferreira da. O Cancioneiro de Martin Codax. Ed. Crítica. Rio de Janeiro, 1956.

FERREIRA, Manuel Pedro. O som de Martin Codax. Lisboa: IN/CM- UNISYS,1986.

METTMAN, Walter. Cantigas de Santa Ma-ria de Afonso X, o Sábio. Ed. crítica. Madrid: Castalia, 1981.Vol. I.





UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
reitor Luiz Pedro Antunes
vice-reitor Fabiano da Costa Carvalho

produzido pelo NÚCLEO DE ESTUDOS GALEGOS DA UFF
diretora Maria do Amparo Tavares Maleval

realização CENTRO DE ARTES UFF
diretora Elizabeth Paes Leme