A chantar / Música Antiga da UFF
Trovadoras Medievais
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ARTES UFF
AA 1000 · NM 466302
2002
1. Saltarello [2:52] anônimo, Itália, séc. XIV
LM flauta sopranino | PS flauta contralto | MO viele de arco | VvdL viele de roda | SLW darabuka e percussão
2. A chantar m'er de so q'ieu no volria [6:19] BEATRIZ de DIA
SLW voz |
LM buzuk | MO viele de arco |
PS flauta contralto | VvdL címbalos
3. La uitime Estampie Royal [2:32] anônimo, França, séc. XIII
LM buzuk | MO viele de arco | VvdL
viele de roda | PS
chocalho | SLW darabuka
4. Amours, u trop tart me sui pris [2:27] BLANCHE de CASTILE
SLW voz |
LM gemshorn contralto | VvdL
viele de roda | MO tambor | PS percussão
5. La Seconde Estampie Royal [6:14] anônimo, França, séc. XIII
LM buzuk | SLW harpa | VvdL
saltério | MO viele de arco | PS
flauta tenor,
6. Mout m'abelist quant je voi revenir [2:41] MAROIE de DREGNAU de LILLE
SLW voz |
LM buzuk | MO rabeca | PS flauta soprano | VvdL viele de roda
7. La Quinta Estampie Royal [1:13] anônimo, França, séc. XIII
MO charamela | VvdL viele de roda | SLW darabuka
8. Stampita Gaeta [7:12] anônimo, Itália, séc. XIV
LM flauta soprano | VvdL viele de roda | MO tambor e prato |
SLW darabuka | PS percussão
9. Chanterai por mon coraige [5:35]
Châtelain de COUCI | letra atribuída à DAME du FAYEL
SLW voz e percussão |
LM viele de roda | MO charamela e viele de arco |
PS gemshorn tenor | VvdL saltério |
coro
10. Bele Doette as fenestres se siet [11:28]
PS voz | SLW voz e harpa |
LM coro | MO coro | VvdL flauta transversa
11. La Manfredina e la Rota [3:57] anônimo, Itália, séc. XIV
LM buzuk | MO viele de arco | PS flauta sopranino | percussão
MÚSICA ANTIGA DA UFF
Peri Santoro, PS | Mario Orlando, MO | Leandro Mendes, LM
Sonia Leal Wegenast, SLW | Virginia van der Linden, VvdL
Este CD foi gravado no dia 30 de Maio de 2002 no Teatro da UFF.
Técnico de Som, Mixagem e Masterização: Brian Higgin.
CONTATOS:
(21)2719-7229
e-mail: lpmendes@ig.com.br
www.geocities.com/musicaantiga
AGRADECIMENTOS:
Lenora Pinto Mendes pela contribuição no repertório.
Lenora Pinto Mendes e Marcio Paes Selles pelo empréstimo da Viele de Roda.
Leonardo Guelman pelo constante apoio aos nossos projetos.
Firmino Marsico Filho que viabilizou a produção deste CD e outros que virão.
Design Gráfico: Mauro Carvalho
Para um observador menos atento, a paisagem cultural da sociedade
medieval européia pode parecer coberta por uma neblina que,
perturbada por infinitas guerras, heresias e a
Inquisição, desvenda um mundo estritamente masculino.
Mas existe um outro lado deste universo, um lado matriarcal,
evidenciado pelas muitas faces da mulher medieval. Numa procura por
esse mundo perdido, por essas mulheres há muito esquecidas,
encontramos na literatura medieval registros dessas poderosas mulheres
que muito contribuíram para essa vasta cultura.
O início da Idade Média foi um período de relativo
poder e liberdade para as mulheres. Após a queda do
Império Romano algumas mudanças no comportamento dos
grupos sociais aconteceram. As mulheres, objeto desta
investigação, passaram a ter menos isolamento do que as
romanas e as gregas, tornando-se mais participantes na sociedade do que
em séculos anteriores.
Em geral, as mulheres teciam, fiavam, cuidavam dos animais e da horta
enquanto os homens faziam o trabalho agrícola mais pesado e as
guerras. Assim, a importância do papel econômico das
mulheres expandia-se ou contraía-se, de acordo com a
presença ou não dos homens. Tornando-se, pois, uma
significativa força reserva de trabalho, passaram a receber,
muitas vezes, melhor educação que seus companheiros. A
partir do século X, muitos feudos da frança eram
administrados por mulheres, como os de Boulogne e Calais (ao norte), e os de Toulouse, Carcassonne, Nîmes e Montpellier (ao sul).
O século XII assistiu à espetacular ascensão ao
poder de Eleonora de Aquitânia, que em 1132 herdou um enorme
Ducado, maior que o Reino da França. Sua herança tornou-a
a mulher politicamente mais desejável de toda a Europa mas,
apesar de seus sucessivos casamentos com dois reis, Luís VII da
França e Henrique II da Inglaterra, conseguiu manter o controle
sobre a terra de seus ancestrais até sua morte. Foi ainda
incansável mecenas das artes e do trovador Bernart de
Ventadorn. Sua filha, Marie de Champagne, também patrona
das artes, foi responsável pela difusão do movimento
trovadoresco no norte da França.
A partir do século XIII, entretanto, a autonomia e o poder das mulheres começaram a declinar por toda a
Europa. Após a morte de Filipe, o Belo, em 1314, os
barões franceses declararam que uma antiga lei (Frankish Salic)
impedia qualquer herança de reinos através de mulheres,
uma proclamação que logo se tornou
convenção. Por volta do fim do século XIV,
início da Renascença, o poder
político-econômico das mulheres se havia deteriorado
significativamente, iniciando-se assim um período de liberdade e
brilho para os homens.
Trouvére (originário da palavra trouver:
procurar ou inventar) é um termo geralmente usado para descrever
o poeta ou músico do norte da França nos séculos
XII e XIII, denominação utilizada tanto para o homem
quanto para a mulher. A língua poética era o langue d'oil
(conhecida como francês antigo). Já ao sul, suas
companheiras desta arte de escrever canções e poemas, as trobairitz (feminino de troubadour), compunham em langue d'oc.
As senhoras da alta estirpe tinham um elevado nível cultural,
apesar de não terem uma educação formal. Seu
treinamento era provavelmente obtido a partir de um período como
aprendiz na casa de outra senhora, talvez de sua própria
mãe ou da futura sogra. A capacidade de administrar suas vastas
propriedades era sem dúvida o mais importante atributo a ser
conquistado, mas seu treinamento incluía boas maneiras,
aprendizado de jogos de corte, como o xadrez, conhecimento de
falcoaria, alguma habilidade para ler e escrever, e música:
canto e o aprendizado de algum instrumento. As aristocratas não
eram as únicas musicistas da Europa medieval. Mulheres de
classes sociais mais baixas também eram musicalmente ativas: as
trovadoras itinerantes e as servas e cortesãs, estas
últimas muito mais presentes na Espanha mourisca. Desde o
século VIII os conquistadores árabes transformavam
mulheres de diferentes raças e classes sociais em escravas.
Muitas delas eram treinadas como cantoras e instrumentistas em escolas
de música para suprir os haréns da nobreza, não
apenas com beleza mas também com talentos musicais. Algumas eram
vendidas para a nobreza árabe na Espanha.
Não se tem notícia de que as compositoras de canções de troubadour e trouvére
tenham produzido polifonia secular. Relativamente pouco conhecimento
musical era necessário para compor monodias, e homens e mulheres
da aristocracia estavam no mesmo nível no que diz respeito
à composição deste gênero de
canção. Mas com o desenvolvimento da polifonia, apenas
aqueles homens com acesso ao treinamento musical nas escolas religiosas
ou universidades puderam desenvolver e aprender os requisitos
necessários para compor. A aristocracia se viu impossibilitada
de aperfeiçoar seus conhecimentos musicais e esta arte tornou-se
cada vez mais uma arte de clérigos nos séculos XIV e XV.
Este CD é o resultado do interesse do Música Antiga da
UFF em conhecer e mostrar um pouco do passado literário-musical
feminino, na França medieval, através das obras da Condessa Beatriz de Dia, Maroie de Dregnau de Lille, Dame du Fayel e Blanche de Castille, incluindo também danças instrumentais francesas e italianas, de autores anônimos.
Apenas uma Canção de Trobairitz sobreviveu com letra e música até os dias de hoje: A chantar m'er de so que no volria, da Condessa Beatriz de Dia.
Beatriz (séc. XII) era, sem dúvida, de Dia, cidade ao
norte de Montelimar. Foi casada com Guilhem de Potiers e, suspeita-se,
amante de Raimbaut d'Orange, irmão da poetisa Dame Tibors, ambos
pertencentes a uma
importante família de trovadores. O poema A chantar m'er de so que no volria
sobreviveu em diversos manuscritos mas, a música, somente no
Manuscrit du Roi. Outros poemas desta misteriosa Condessa sobreviveram, mas
nenhum com música. A Condessa Beatriz de Dia soube, com grande
propriedade, narrar e cantar os prazeres do amor carnal.
Blanche de Castille (séc. XIII) era neta de Eleonora de Aquitânia e filha de Marie de Champagne e do Conde Tibau de Champagne, famoso trouvère,
que escreveu muitas de suas canções para Blanche, sua
rainha e objeto da sua admiração e amor. Como exemplo de
composição de Blanche de Castille temos a
canção Amours u trop tars me sui gris, em devoção à Virgem Maria.
Maroie de Dregnau de Lille (séc. XII) é uma trovadora de origem desconhecida. Sua peça, Mout m'abelist quant je voi revenir, pertencente ao movimento dos trouvères e considerada mais tardia que outras do gênero, se encontra no Manuscrit du Roi. É uma canção de
jeune fillie de estilo
elegante, preservada com apenas um verso. Temos pouca evidência
da existência desta poetisa, que é provavelmente a "Maroie" citada nos versos de uma canção do trovador Artois Andrieu Contredit.
Em um manuscrito que se encontra na Biblioteca Pública de Berna a famosa canção de cruzada Chanterai por mon coraige é atribuída a Dame de Fayel, amante do famoso trouvère Châtelain de Couci. Porém, a mesma canção é atribuída a Guiot de Dijon no Manuscrit du Roi
e em outras fontes. Escrita do ponto de vista de uma mulher, este texto
poderoso canta a ausência do amante que está em uma
cruzada na Palestina.
Incluímos neste CD uma "canção de tear" (chanson de toile),
assim chamada devido às atividades que as mulheres realizavam ao
longo do ano, o girar da roca para tecer. Estas chansons são
narrativas românticas que contam histórias de personagens
femininos, normalmente de origem nobre.
As canções começam nomeando a heroína: bele Doette, bele Yolanz ou bele Aye;
elas descrevem o que ela está fazendo então: sentada
à janela, costurando, ou lendo um livro. O início das
canções introduz uma grande variedade de narrativas, algo
trágico, algo sedutor ou algo humorístico... Os poemas de
trobairitz e as chansons de toile
sobreviveram quase completamente sem melodias, poucas foram as que
restaram contendo letra e música. Com uma nova visão
desta bela canção, o Música Antiga da UFF deu voz
ao narrador, ao escudeiro assim como à bela Doette, personagens
desta narrativa.